por Chris Bruntlett (*)
Por favor, permita-me tirar uma coisa de dentro do peito: eu odeio quando alguém se refere a mim como um “ciclista”. A expressão “ávido ciclista” é ainda pior. Eu não sou mais ávido ciclista do que eu sou ávido caminhante ou ávido por comida. Eu sou alguém que muitas vezes usa uma bicicleta, simplesmente porque é a maneira mais civilizada, eficiente, agradável e econômica para me locomover pela minha cidade. Ainda que dependa do clima, carga, tempo e natureza da viagem que eu estou fazendo. Além de possuir uma bicicleta, eu também sou sócio de uma cooperativa de compartilhamento de automóveis, sou usuário de transporte público, e possuo muitos pares de sapatos. A bicicleta é apenas um meio para um fim. É uma ferramenta que não me transforma em um ciclista, mais do que limpar meu apartamento me transforma em um faxineiro, ou escovar os dentes me transforma em um especialista em higiene dental.
Em um contexto local, o termo ‘ciclista’ continua a nos fornecer uma barreira mental prejudicial e um bode expiatório conveniente. Ele só serve para alienar e denegrir todo um segmento da sociedade, e classificá-los como “outros”. Eles são uma fraternidade valente, um culto suicida; uma subcultura de guerrilha urbana, vestidos em trajes espaciais, fazendo ziguezague entre os carros. Eles são os desajustados: cruzando o sinal vermelho, aterrorizando os idosos na calçada, tudo isso usando de graça aquilo que foi pago com o dinheiro dos contribuintes. Eles são a Massa Crítica, radicais, ambientalistas, atletas, hipsters, mensageiros, e estudantes. Eles são facilmente estereotipados, caluniados e desconsiderados. E o pior de tudo, eles são vistos como qualquer um menos eu.
É só quando eu começo a me envolver com as pessoas ao meu redor que eles começam a entender que eu não poderia estar mais longe deste prejudicial e injusto conjunto de generalizações.
Eu tento não comprar e ou usar qualquer forma de “roupa para ciclismo”. Minha rotina matinal e opção de guarda-roupa não dependem do modo de transporte que eu escolher na ocasião, seja a pé, de bicicleta, ônibus, trem ou automóvel. Na verdade, enquanto a maioria das pessoas que eu vejo nas ciclovias estão ocupados com suas camisas com absorção de suor, sapatilhas, bermudas acolchoadas e meias de alta performance, eu já cheguei na metade do meu caminho no meu traje de escritório. Meus sapatos de ciclismo são Camper, minhas calças H&M, e minha jaqueta Topman. Eu não tenho nenhum treinamento especial, e eu não uso capacete ou roupa reflexiva porque o que eu estou fazendo não é mais perigoso do que andar na rua.
Eu escolhi uma bicicleta que reflete a minha personalidade e estilo, uma que ao mesmo tempo é prática e confortável para minhas viagens diárias. Ela tem apenas três marchas, e lida com os aclives suaves de Vancouver muito bem, obrigado. Ele tem luzes, cobre-corrente, descanso, pára-lamas, sino e uma cesta; o que mantém minhas costas secas, a barra da calça da minha perna direita impecável, minha bicicleta visível, e me permite carregar uma generosa quantidade de mantimentos, equipamentos, bebidas, ou papelada de forma segura e conveniente. Eu uso luzes dianteiras e traseiras sempre que as condições exigirem, porque, com base no número gente de capacete e sem luzes que eu vejo nesta cidade, me parece que se vem enfatizando o dispositivo de segurança errado.
Eu pedalo com elegância e dignidade, sempre respeitando as leis de trânsito. Eu ando lentamente e de maneira previsível, sempre parando nas placas de pare, e sempre dando a preferência a pedestres e motoristas que cruzam o meu caminho. Eu faço a questão de cumprimentar os olhares de surpresa com um sorriso educado e um aceno, em uma modesta tentativa de alterar a percepção de uma pessoa de cada vez. Eu sinalizo a cada esquina, nunca desrespeitando o sinal vermelho ou andando na calçada, e deixo claro o meu desagrado sempre que alguém o faz. Recuso-me a andar grudado atrás de outros usuários, tocar minha sineta desnecessariamente, ou ultrapassar um carro ou uma bicicleta cegamente. Em quase três décadas andando de bicicleta, eu nunca experimentei uma colisão ou uma grande queda.
Eu não tenho nenhuma intenção de compartilhar a rua com veículos automotores. Na verdade, eu regularmente saio do meu caminho de maneira a evitá-los. Eu sempre escolho o caminho mais fácil, que felizmente está se tornando cada vez mais comum em Vancouver. Nossa malha já existente de ciclovias e ciclofaixa me permite andar confortavelmente por uma distância considerável com a minha família, sem ter que esfregar ombros com carros, caminhões e ônibus. Isso pode me afastar um pouco do meu caminho, mas a maior facilidade, segurança e prazer fazem o esforço valer a pena. Você nunca vai me encontrar correndo com outros ao longo das avenidas mais movimentadas, porque me recuso a andar onde eu claramente não sou bem-vindo.
Compreendo perfeitamente o meu comportamento educado me coloca em minoria, mas a maré está virando lentamente. Conforme a prefeitura continuar a investir na melhoria da infra-estrutura e em 1,5 mil bicicletas compartilhadas, estamos nos aproximando do ponto onde o ciclismo não é mais uma declaração política ou ambiental, mas sim utilitarista, que não difere em nada de andar na rua. Então, e somente então, vamos parar de identificar as pessoas como “ciclistas”, e tratá-los como indivíduos de uma diversificada gama política, econômica, étnica, profissional e de interesses. O único denominador comum é o seu modo de transporte em um determinado dia. Então, por favor, pare de me chamar um ciclista. Eu sou um marido, um pai, um designer, um escritor, um fotógrafo, um cineasta, um músico, um humanista, um urbanista, um vegetariano, e um torcedor de futebol. Mas o mais importante, sou cidadão de uma cidade multi-modal. A bicicleta é apenas um detalhe menor.
Texto original em inglês publicado em 3 de outubro no website da revista canadense Hush.